sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Adão e suas mulheres

“Há mais mistérios entre o céu e a terra, do que toda a nossa vã filosofia”. Começando com esta máxima de William Shakespeare, começamos a refletir sobre os grandes mistérios da religião que são, foram e continuam sendo omitidos aos leigos durantes séculos e séculos sem fim, e levando muitas vezes a verdade a continuar restrita a um grupo de privilegiados que se diverte com a ignorância das massas.


 Lilith, John Collier (1892).

Entre estes mistérios um dos que mais fascina os estudiosos é sobre as mulheres de Adão, o primeiro homem. Todos nós conhecemos Eva, que é tida como a primeira mulher e que foi a companheira de Adão, criada de uma costela dele. Porém muitos não conhecem a história de Lilith, ou Lilit (em hebraico: לילית), que para muitos teria sido a primeira companheira de Adão, criada do barro assim como ele para povoar a Terra.
Os apoiadores desta teoria se baseiam em relatos antigos, na mitologia hebraica, nos textos sumérios e, principalmente no Alfabeto de Ben-Sira, escrito milenar que é contado para Nabucodonosor.  Mas é possível encontrar relatos em diversas culturas antigas, além da citação na Bíblia, no livro de Isaias 34-14, na versão mais atual, porém em algumas versões, Lilith é trocada por coruja (no inglês), ou por animal noturno aqui no Brasil.    
Segundo o manuscrito de Bem-Sira, Lilith foi criada junto com Adão da mesma matéria prima dele, o barro. Muitos estudiosos questionam o fato de ser citada a criação do HOMEM e da MULHER, dando a entender que já na criação de Adão existia uma mulher, vejamos:
“Criou, pois, Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.” Gênesis 1:27.
Está claro que Deus criou o Homem e a Mulher no sexto dia, ou seja, cria o homem macho e fêmea no mesmo dia, o que é sustentado pela passagem seguinte, capitulo 1:28:
"E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra ..."Gênesis 1:28
Uma pessoa mais desavisada poderia dizer que estamos falando de Adão e Eva, porém Eva só será criada no capitulo 2 do Gêneses, quando Deus percebe que Adão está sozinho (novamente?), e entende ser bom criar para ele uma mulher (outra?), e interessante, é mencionado que esta mulher seja adequada, idônea (a outra não era?), então como poderia abençoar a ambos e recomendar a multiplicação de Eva ainda não tinha sido criada? vejamos:
“Disse mais o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora  que lhe seja idônea.” Gênesis 2:18. 
A confusão interpretativa si dá a partir do momento em que Deus cria o homem (ser humano) no capítulo 1, fazendo-o macho e fêmea, e logo depois no capítulo 2, Ele cria uma (outra?) mulher, não mais do mesmo barro, mas agora da costela de Adão: 
"E da costela que tinha tomado do homem, o Senhor Deus fez uma mulher, e levou-a para junto do homem.". Gênesis 2:22
 E o caso fica ainda mais estranho no versículo seguinte, na criação da (segunda) mulher criada da costela, quando Adão parece gostar da (nova) mulher criada e faz um comentário bem peculiar:
"Disse então o homem: Esta sim (ou ‘agora sim’, em algumas versões), é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada mulher, porque do homem foi tirada."Gênesis 2:23

Se observarmos que em todas as traduções (inglês, grego ou latim) não temos esta expressão "esta sim," ou "agora sim,". O que temos é a versão -- "E disse Adão: Esta é agora osso dos meus ossos..." -- "The man said, "This is now bone of my bones..." - Gênesis 2: 23, onde fica mais claro que Adão está falando de outra mulher.


 Lilith como serpente em pintura de Michelangelo em 1510 d.C

Lilith teria caído em desgraça por causa de uma disputa sobre igualdade dos sexos, onde ela não se sujeitava a servir ao homem, muito menos a ficar por baixo durante as relações sexuais, introduzindo no imaginário popular a idéia de ser ela a primeira mulher a rebelar-se contra o sistema patriarcal e a primeira feminista. Dessa forma, é possível imaginar que uma edição (corte) possa ter sido feita entre o capítulo 1:28 e o capítulo 2:21. O mais provável é que este corte tenha ocorrido em época bastante remota, durante o Concílio de Trento, possivelmente, quando se supõe que o texto escrito tomou uma forma próxima da atual. Mas para outros esse corte pode ter acontecido muito antes. Acredita-se que o motivo da Igreja Católica ter suprimido a criação (e posterior rebelião) de Lilith seria uma das tantas tentativas da igreja de dar o tom patriarcal (machista?) às escrituras. Deixando claro o lugar da mulher de submissa, abaixo hierarquicamente ao homem. Sem contar que deixar passar uma criação, tal qual a de Adão, e que não deu certo, que acabou se rebelando pelo próprio criador e se tornando um demônio, uma maldita, não seria muito “católico”, por assim dizer:
“Deus teria criado um casal: Adão e uma mulher que antecedeu a Eva. Esta mulher primordial teria sido Lilith, figura bastante conhecida da antiga tradição judaica. Lilith não se submeteu à dominação masculina. A sua forma de reivindicar igualdade foi a de recusar a forma de relação sexual com o homem por cima. Por isso, fugiu para o Mar Vermelho. Adão queixou-se ao Criador, que enviou três anjos em busca da noiva rebelde. Os três anjos eram Sanvi, Sansanvi e Samangelaf. Os emissários do Senhor tentaram em vão convencer à fujona. Ameaçaram afogá-la no mar. (...) Lilith foi transformada em um demônio feminino, a rainha da noite, que se tornou a noiva de Samael, o Senhor das forças do mal. (...) Lilith seria uma figura sedutora, de longos cabelos, que voa à noite, como uma coruja, para atacar os homens que dormem sozinhos. As poluções noturnas masculinas podem significar um ato de conúbio com a demônia, capaz de gerar filhos demônios para a mesma. As crianças recém-nascidas são as suas principais vítimas. A crença em Lilith, durante muito tempo, serviu para justificar as mortes inexplicáveis dos recém-nascidos. (...) Finalmente, uma outra tradição judaica afirma que a lendária rainha de Sabá que teria visitado Salomão nada mais era do que Lilith. O sábio rei, contudo, descobriu o ardil, ao levantar a saia da rainha e constatar que as suas pernas eram peludas.” Jardim do Éden revisitado, Roque de Barros Laraia.



 Estátua babilônica em terracota atribuída a Lilith de 1.500-2000a.C

A teoria de Lilith, assim como a Bíblia, não tem como ser comprovada, é uma questão de acreditar ou não, mas povoou o imaginário dos povos antigos amedrontando, servindo como exemplo de punição aquelas mulheres que ousaram questionar o poder patriarcal e o poder da Igreja, seja ela Católica ou Protestante. O homem deve ser sempre a cabeça, e as mulheres subservientes, abaixo das vontades de seus pais, maridos, irmãos, caso contrário serão as Liliths expulsas do paraíso, errantes no mundo sem paz, destinadas a um mundo de terror. Mas isso não tem mais espaço no mundo atual, é apenas fantasia de povos antigos e medievais. Será? 


Pintura de Rafael


Referência
LARAIA, Roque de Barros. Jardim do Édem Revisitado. Universidade de Brasilia.
http://www.bibliaonline.com.br/ acessado em 05 de agosto de 2013
http://www.sbb.org.br/interna.asp?areaID=69  acessado em 13 de agosto de 2013