Já não é novidade que a aproximação do período macro eleitoral
conclama uma atuação enérgica do Poder Legislativo para alterar as
regras do jogo democrático e para atualizar o arcabouço normativo que
norteará as condutas dos players. Somado a isso, tem-se uma
série de mudanças na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, bem
como a expedição das resoluções que disciplinarão o pleito em suas
especificidades.
As Leis 13.877/2019 e 13.878/2019 promoveram
algumas alterações para produzirem seus efeitos nas eleições municipais
de 2020, todavia, com relação às reformas de pleitos anteriores foram
bastante modestas. As mudanças mais significativas perpassam pelo
espectro do financiamento e gastos de campanha eleitoral. Outras
questões tocam no campo relativo às inelegibilidades e ao recurso contra
a expedição de diploma (RCED).
Como é cediço, os limites de
gastos de campanha passam a ser definidos legalmente e divulgados pelo
Tribunal Superior Eleitoral, contabilizando-se as despesas efetuadas
pelos candidatos e pelos partidos que puderem ser individualizadas, em
cada campanha. No que se refere às eleições municipais de 2020, a Lei
13.878/2019 estabeleceu que o limite de gastos nas campanhas dos
candidatos às eleições para prefeito e vereador, na respectiva
circunscrição, será equivalente ao limite para os respectivos cargos nas
eleições de 2016, atualizado pelo Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA), aferido pela Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), ou por índice que o substituir. No caso
de segundo turno, o limite de gastos de cada candidato será de 40% do
limite previsto em lei.
Alteração benfazeja foi a atinente ao
autofinanciamento. É que a Lei 13.878/2019 demarcou um limite financeiro
para os investimentos que os candidatos podem realizar em suas
campanhas. Agora, o candidato poderá usar recursos próprios até o total
de 10% dos limites previstos para os gastos de campanha no cargo em que
concorrer, sendo vedada aplicação indireta desses recursos mediante a
utilização de doação a terceiro, com a finalidade de burlar o referido
limite legal. Evitou-se, com isso, a concessão de privilégios aos
detentores de poder econômico, que podiam financiar suas campanhas sem
se preocupar em buscar doações, dando margem à ocorrência do abuso de
poder econômico.
Questão tormentosa que veio à baila com o texto
da Lei 13.877/2019 foi sobre a extinção da inelegibilidade
superveniente. De acordo com a ideia que sai da nova redação conferida
ao parágrafo 2º do artigo 262 do Código Eleitoral, a inelegibilidade
superveniente apta a viabilizar a interposição de recurso contra a
expedição de diploma deverá ocorrer até a data fixada para que os
partidos políticos e as coligações apresentem seus requerimentos de
registro de candidatos.
O conteúdo semântico de “superveniente”
anuncia ser algo que sobrevém, que acontece ou surge depois. Ou seja, a
situação jurídica aparelhada para fins de obstar o exercício da
cidadania passiva deve surgir após o momento de formulação do pedido de
registro de candidatura. Ao limitar o marco temporal para a análise de
eventual ocorrência de inelegibilidade superveniente à data fixada para
que os partidos políticos e coligações apresentem os seus requerimentos
de registro de candidatos, o legislador acabou por extingui-la.
Nesse
sentido, a atecnia legislativa é solar. Note-se que conquanto o
legislador tenha negado a possibilidade de existência da inelegibilidade
superveniente, ainda continuou a veiculá-la no preceptivo legal do
artigo 262 do Código Eleitoral, ainda que destituída de capacidade de
incidência normativa. É dizer, a própria técnica redacional legislativa
anula o conceito de inelegibilidade superveniente.
A teleologia do
dispositivo legal em comento não foi outra senão a de evitar grandes
desassossegos ao pleito, máxime os que decorrem da cassação de mandatos
pela Justiça Eleitoral. Vê-se, no ponto, que a alteração legislativa em
tela buscou conferir efetivo prestígio ao princípio da autenticidade
eleitoral e à estabilidade dos mandatos. No entanto, ao passo que tentou
dissipar inseguranças, trouxe um amplo espectro de incertezas, no que
embaralhou toda teorética soerguida pela doutrina e pela jurisprudência
do Tribunal Superior Eleitoral. Na prática, a alteração promovida pela
Lei 13.877/2019 irá imunizar candidatos inelegíveis de todos os fatos
supervenientes que porventura possam obstaculizar o exercício da
cidadania passiva, o que fatalmente abrirá caminhos para o vilipêndio
deliberado dos cânones do parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição
Federal de 1988.
No que concerne às inovações no âmbito dos
partidos políticos, a Lei 13.877/2019 alterou a norma 9.096/1995 para
permitir a utilização de recursos do Fundo Partidário e do Fundo
Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) na contratação de serviços
de consultoria contábil e de advocatícia e de serviços para atuação
jurisdicional em ações de controle de constitucionalidade, e em demais
processos judiciais e administrativos de interesse partidário, bem como
nos litígios que envolvam candidatos do partido, eleitos ou não,
relacionados exclusivamente ao processo eleitoral.
No mesmo
diapasão, a novel legislação eleitoral excluiu dos limites de gastos de
candidatos e partidos políticos as despesas relativas a serviços
advocatícios e de contabilidade referentes a consultoria, assessoria e
honorários, relacionados à prestação de serviços em campanhas eleitorais
e em favor destas, bem como em processo judicial decorrente de defesa
de interesses de candidato ou partido político. Assim, a Lei 13.877/2019
também excluiu esses gastos de limites que possam impor dificuldade ao
exercício da ampla defesa.
A Lei 13.877/2019 ainda inclui a
determinação de utilização dos recursos oriundos do Fundo Partidário
para a criação e manutenção de programas de promoção e difusão da
participação política das mulheres, criados e executados pela Secretaria
da Mulher ou, a critério da agremiação, por instituto com personalidade
jurídica própria presidido pela Secretária da Mulher, em nível
nacional, conforme percentual a ser fixado pelo órgão nacional de
direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total.
Apesar
dessa inovação normativa ser merecedora de louvores, não se pode
olvidar que a Lei 13.381/2019 criou uma verdadeira anistia aos partidos
políticos que não observaram a aplicação de recursos oriundos do Fundo
Partidário na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da
participação política das mulheres nos exercícios anteriores a 2019.
Não andou bem o legislador ao editar esse preceptivo legal, não pela
questão deontológica, que pode inclusive ser discutida, mas em razão de
que o escopo da legislação deve ser o fortalecimento do arcabouço
normativo, não sua fragilização através de efeitos retrospectivos que
anulam sua eficácia.
De bom alvitre mencionar, nessa esteira de
intelecção, que o Tribunal Superior Eleitoral sedimentou entendimento,
por ocasião do julgamento da Consulta 0600252-18, de relatoria da
ministra Rosa Weber, no sentido de que a distribuição dos recursos do
Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEC) e do tempo de
propaganda eleitora gratuita no rádio e na televisão, deve observar os
percentuais mínimos de candidatura por gênero, nos termos do artigo 10,
parágrafo 3º, da Lei 9.504/97, na linha da orientação trilhada pelo
Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 5.617, de relatoria do
ministro Luiz Edson Fachin. Inclusive, caso não haja acatamento desse
imperativo normativo pode ensejar a perda de mandato de toda a coligação
eleita em decorrência de fraude eleitoral.
Como se vê, as
inovações estruturais promovidas pelo legislador trarão inegáveis
desafios de aplicação para os partidos políticos, candidatos e
operadores do direito. Um misto de esperança e desejo nos move no
sentido de que as mudanças alinhavadas alhures não introjetem, ainda
mais, os institutos em uma zona de penumbra conceitual e teorética, de
modo a minar os princípios estruturadores do Direito Eleitoral.
Fonte: https://www.conjur.com.br/2020-mar-07/opiniao-alteracoes-legislativas-eleicoes-municipais-2020?fbclid=IwAR3RuVUPR-gH3OwxPnoDYhXYKB4kp0X33iF_d49XlNm77SOIaZclgO9Jyxk
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