sábado, 18 de maio de 2019

A mudança que permitiu não mudar: os 20 anos da reeleição no Brasil

Desde Fernando Henrique Cardoso, em 1998, até o continuísmo dos governos petistas, o eleitor brasileiro demonstrou que quatro anos, às vezes, é pouco



A reeleição no Brasil está completando 20 anos em 2018. A partir de uma longa articulação durante o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), permitiu-se, por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que prefeitos, governadores e presidentes passassem a tentar um segundo mandato em sequência.
Este é um conteúdo sobre estes mandatos — os que atendem às conformidades constitucionais — mesmo que o histórico político do Brasil aponte para casos anteriores em que houve continuísmos em projetos político/partidários, tentativas consolidadas de manutenção do poder e outras formas de, pode-se dizer, reeleição.

Eleitos de novo: um panorama histórico

“Reeleito” é uma palavra que pertence à classe gramatical dos adjetivos. No site Dicio — Dicionário Online de Português — o segundo a aparecer no Google quando se procura “reeleito” e que perde só para a imbatível Wikipédia — , os significados são: “Que se conseguiu eleger mais uma vez; que foi eleito novamente; que foi escolhido para exercer um novo mandato consecutivo: presidente reeleito.”
Partindo da interpretação da língua portuguesa, pode-se discutir quem foi o primeiro presidente a ser reeleito — de forma consecutiva, ou ainda, reconduzido ao cargo -, no Brasil. É provável que poucos digam o nome de Rodrigues Alves. E faz sentido. Além de uma análise semântica distinta daquela que talvez impere na esfera pública, seria necessário um bom conhecimento histórico àquele que se arriscasse em citar o paulista que foi o primeiro a ser eleito duas vezes presidente do Brasil. Apesar disso, é possível chegar à conclusão de que, em 2018, estamos comemorando o centenário da primeira reeleição à presidência do Brasil.
Rodrigues Alves está na história brasileira como o nosso quinto presidente. Governou de 1902 a 1906. Em 1918 — portanto há cem anos — venceu sua segunda disputa ao cargo mais importante do Brasil — desde que somos República, é claro. Alves é um produto de seu tempo. Sintoma de um período em que só os mesmos governavam, ele foi a figurinha repetida que deveria completar o álbum das cartas marcadas. Cabe lembrar que suas duas vitórias eleitorais estão situadas em um período compreendido como República Oligárquica, que ficou marcado pela alternância das oligarquias do sudeste no poder.
O filho ilustre de Guaratinguetá venceu pela segunda vez, mas não levou. Eleito em março, adoeceu meses depois e, em novembro, não pôde assumir. Delfim Moreira, que concorrera como vice, ficou com o cargo. Em janeiro de 1919, morreu aquele que é, até hoje, o último paulista a ser eleito presidente e governar o Brasil. O Estado de São Paulo viria a ter outro eleito com Júlio Prestes, que ganhou nas urnas, mas foi impedido de exercer seu mandato pelo Golpe de 1930.
Três décadas depois de Prestes, teríamos, curiosamente, o segundo paulista ocupando o cargo de presidente — o primeiro fora Rodrigues Alves. E este é, mais curiosamente ainda, o primeiro a ter dois períodos alternados como presidente. Seu nome? Ranieri Mazzili.
Em agosto de 1961, Mazzili segurou o bastão para João Goulart, vice-presidente que estava em viagem à China e não podia assumir após a renúncia de Jânio Quadros. Foi alçado à nobre condição (graças à constituição vigente) por ser o então presidente da Câmara dos Deputados. Goulart teve o seu mandato interrompido e, então, Mazzili tornou-se o primeiro brasileiro a ocupar à presidência pela segunda vez. Em 1964, ele, mesmo que civil, foi o primeiro dos presidentes dentro do período conhecido como Regime Militar.
A história ilustra momentos em que houve recondução ao cargo de principal mandatário do país, mas este texto pretende tratar de reeleição. Algo que nada tem a ver com Mazzili ou com a Ditadura. E talvez não tenha também com Michel Temer. Mas, seguindo a batida das curiosidades referentes aos que tentam um segundo mandato de presidente, o atual mandatário tornou-se o terceiro paulista a ocupar o cargo, ainda que também não tenha sido eleito para o cargo, e pode ser candidato a permanecer no poder em 2018.

A reeleição no sentido popular: mandatos em sequência

Olhando para o retrospecto eleitoral do país, poucos hão de contrapor que o Brasil tem vocação para processos democráticos. Sucessão obrigatória, reeleição, as opções são, no fim das contas, escolhas que levam a um tipo de jogo de poder que se pretende. O idealismo mandaria revisar esse ponto de virada ocorrido pelas mãos do legislativo brasileiro na década de 1990 como uma disputa de ideias, ideológica, mas o que se pode identificar é a acomodação de interesses partidários.
Para começar essa trajetória — que se encerra com um FHC reeleito para o cargo máximo da gestão pública — , é necessário voltar, no mínimo, à Constituinte de 1988. No mínimo porque, já na Constituição de 1891, a segunda do Brasil, se permitia uma autonomia dos Estados — à época, mudavam sua nomenclatura -, o que implicava na possibilidade de reeleição, como no Rio Grande do Sul, por exemplo. Em todo caso, cabe remontar ao período em que Ulysses Guimarães levantou um livro que não previa mandatos consecutivos.
No ano seguinte à promulgação da nova Carta Magna, e com ela ainda no horizonte, Fernando Collor de Mello foi eleito. Dois anos depois, impedido. Itamar assumiu para um mandato tampão, viu fuscas em profusão e calcinhas em ausência, até se resignar à distância do pleito que não poderia — e, principalmente, nem fazia questão de — concorrer. Assim, vem à baila a eleição de 1994. Ela, juntamente com o cenário latino-americano, pode ser entendida como o primeiro passo para a reeleição no Brasil.

A reeleição já existia em democracias mundo afora — inclusive na mais aclamada por Hollywood, portanto, a mais importante do (e para o) mundo, os Estados Unidos. O que viria a ser vivido no Brasil em 1998, aliás, já havia acontecido, na própria década, no Peru e na Argentina — e também viria a ocorrer com a Venezuela em 1999. Portanto, é necessário entender a onda que abarcava o continente e pedia projetos com sequência.
O ambiente latino, aliás, é um reduto dos reeleitos. Segundo o pesquisador Gláucio Soares, em artigo publicado n’O Globo em janeiro de 2016, “somente dois presidentes perderam a reeleição na América Latina desde 1990: Daniel Ortega, na Nicarágua, em 1990, e Hipólito Mejía, na República Dominicana, em 2004. Na América do Sul, os presidentes venceram todas as 17 reeleições.”
Para quem trabalha com política, esse é um aspecto indispensável, seja para analisar, seja para agir sobre ele. “Tem um conceito interessante sobre reeleição que nós, marqueteiros e consultores políticos, sempre frisamos para um candidato que busca um novo mandato. Se a gestão, principalmente para o Poder Executivo, for de média para boa, a chance da reeleição é muito alta”, conta Guga Fleury, coordenador de campanhas à prefeitura no estado de São Paulo e autor de livros que analisaram as disputas presidenciais de 2008, 2010 e 2012.

A eleição de Fernando Henrique Cardoso

Voltando à eleição de 1994, ela também precisa ser contextualizada. A consagração de FHC pode ser vista por diversos pontos de vista, mas é fato que o tucano se valeu do considerado sucesso do Plano Real para ascender ao Planalto. Como ministro da Fazenda, ele recebeu boa parte dos méritos por conta do rearranjo econômico do país e, por consequência, tornou-se o nome “mais seguro” do pleito. Com um Itamar sem laços partidários, o sociólogo foi a figura que representou a continuidade. Era uma espécie de reeleição de ideias. Assim, foi capaz de bater nomes como Lula, Enéas, Brizola e Quércia, chegando à vitória com a chapa União, Trabalho e Progresso (PSDB, PFL, PTB).


Com FHC no poder, as coisas continuaram “dando certo” — como defenderia o documentário O Brasil Deu Certo. E Agora?, que estreou em 2013. Se o “inimigo número um” do brasileiro era a hiperinflação, tão presente na rotina do povo durante toda a década de 1980 e no início da década de 1990, agora Fernando Henrique despontava como o herói para esse monstro. Essa boa imagem conquistada pode ser materializada na aceitação ao governo — segundo as pesquisas do Datafolha, a aprovação do então presidente foi, durante todo o seu primeiro mandato, bem maior do que a sua reprovação (com exceção de um curto período em 1996).
A super-aprovação antes e durante o mandato de FHC, então, se consolida como combustível para esse movimento — unindo a isso o fato de que o “quebrador de tabu” tinha uma base bem consolidada no Congresso. E foi mesmo no estágio anterior à primeira eleição o primeiro ponto de uma costura que já visava um segundo mandato. Em fevereiro de 1997, a Folha de São Paulo publicou uma matéria em que contou, em 17 de setembro de 1994, como o tucano Maurílio Ferreira Lima (PE) informou a FHC que escolhera o deputado Mendonça Filho (PFL-PE) para operacionalizar o plano. Era o primeiro passo dado por um governo que só existia até então nas pesquisas de intenções de voto.

Caminhando para uma reeleição

Como planejado, em 1° de fevereiro de 1995, o deputado Mendonça Filho (PFL-PE) apresenta a emenda da reeleição — a primeira daquela legislatura — no Congresso, que ficaria engavetada até segunda ordem. A essa época, as articulações já se iniciavam com os partidos, o que incluía não só os congressistas, mas também, governadores e até prefeitos. Muitos prefeitos, aliás, quiseram a possibilidade da reeleição já na disputa de 1996, algo que nunca aconteceria — um deles, Paulo Maluf, seria artífice de muitas guerras com o governo. Essa guerra escancarou a face mais cruel da mobilização em prol da reeleição naquele momento.
“A reeleição é uma prática aceitável em diversos países em que a democracia está plenamente desenvolvida, como nos Estados Unidos, por exemplo. O problema é que os vícios de poder no Brasil acabam fazendo com que a reeleição seja vista como uma perpetuação de um mesmo grupo político no governo”, opina Chico Santa Rita, um dos mais respeitados marqueteiros do país e autor do livro “Batalhas Eleitorais: 25 anos de marketing político”.
Além das oposições de ocasião — aquelas que iam e vinham de acordo com o rumo do vento, mas que se vinculavam apenas ao projeto — , o governo também enfrentava a sua própria oposição, composta por partidos como PT, PDT e PCdoB. É verdade, porém, que, sobretudo o PT, se deparava com um caminho complexo a enfrentar sobre esse ponto: em 1997, os dois governadores da legenda — Cristovam Buarque, do Distrito Federal, e Vitor Buaiz, do Espírito Santo — não eram exatamente inimigos da ideia de poderem concorrer à permanência nos seus cargos. Jaime Lerner, governador do Paraná pelo PDT, também não. Tanto que Lerner se reelegeria e Buarque tentaria, só que sem sucesso. Por outro lado, o partido do derrotado Lula conseguira, em 1996 — com a ajuda de representantes da bancada governista, inclusive — o número necessário de assinaturas para um referendo popular.
Com tudo isso, podemos imaginar que até havia oposição, mas não muito. Os interesses eram variados e seguiam infindáveis direções. “É bem verdade que durante o período da votação da emenda da reeleição no Congresso houve muito lobby e negociação entre os poderes. Todos que poderiam influenciar naquela decisão, seja a mídia ou os próprios políticos, efetivamente influenciaram. Curiosamente, quem estava contra a reeleição naquele momento, como os partidos mais à esquerda no espectro político, também se valeram dela com o passar do tempo”, pontua Marcelo Weiss, cientista político.
Quem também teve papel controverso nesse jogo foi o PMDB. A cúpula do partido, em meio a uma briga com o Governo, chegou a proibir mais de uma vez os integrantes da legenda de votarem o tema. Em dezembro de 1996, o partido acirrou a disputa pelas presidências da Câmara e do Senado com o PFL, o que foi peça chave nas negociações de apoio e de cada movimento no histórico de conchavos do projeto. Assim, como movimentos de xadrez de parte a parte, o partido perdeu o Senado, ganhou a Câmara e ajudou a concretizar o sonho que começou no restaurante Mourisco, em Olinda (PE).
Em 28 de janeiro de 1997, a emenda da reeleição foi aprovada pela Câmara dos Deputados em primeiro turno por 336 votos a favor, 17 contra e seis abstenções. Quase um mês depois, e já com o mais novo governista Michel Temer (PMDB) na presidência da Casa, em 25 de fevereiro de 1997, a Câmara votou em segundo turno a emenda da reeleição e aprovou o texto por 369 a 111, com cinco abstenções. O Senado aprovou, em segundo e último turno — e promulgou — , no dia 4 de junho de 1997, com 62 votos a favor, 14 contra e duas abstenções, a emenda constitucional que passou a permitir a reeleição do presidente da República, de governadores e prefeitos. Números, movimentos e táticas partidárias foram, no fim das contas, no caminho do que a sociedade queria. “A emenda da reeleição partiu de uma demanda da sociedade, legítima ou não, que foi abarcada pelos congressistas. Porém, ela foi extremamente positiva para as células de poder que, com a reeleição, se agarraram em seus cargos, buscando a perenidade de seus mandatos”, argumenta Adriano Soares da Costa, especialista em Direito Eleitoral e autor do livro “Instituições de Direito Eleitoral”.
Ao revisar a história da reeleição no Brasil, é impossível deixar de lado o fator FHC. Foi, de algum modo, com ele, por ele e para ele. Carlos Manhenelli, presidente da Associação Brasileira dos Consultores Políticos (ABCOP), acredita que “havia, em 1997, um desejo da maioria da população em reeleger o Fernando Henrique Cardoso. As pesquisas indicavam isso, o país andava razoavelmente bem, a economia estava nos trilhos. Era uma vontade coletiva que o trabalho não parasse. Então, apesar de parte da imprensa que espezinhou a emenda, a população não foi contra. Pelo contrário, tanto que consagrou FHC com a reeleição no primeiro turno em 1998”.

Polêmica envolvendo a aprovação

Talvez apenas um aspecto tenha ameaçado, de fato, a reeleição de Fernando Henrique: a denúncia de que a aprovação da reeleição no Congresso teria sido comprada. Em 13 de maio de 1997, a Folha de São Paulo publicou uma reportagem sobre o assunto, com a manchete: “Deputado conta que votou pela reeleição por R$ 200 mil”. Fernando Rodrigues, repórter responsável pelo caso dentro da Folha, escreveu, em 2014, para o seu blog no UOL, que, dentre as provas, havia a “confissão gravada de dois deputados federais do Acre que diziam ter votado a favor da emenda da reeleição em troca de R$ 200 mil recebidos em dinheiro. Outros três deputados eram citados de maneira explícita e dezenas de congressistas teriam participado do esquema”.
Como resultado disso, Ronivon Santiago e João Maia — deputados do PFL do Acre — que haviam sido gravados e expostos pela matéria, renunciaram. O PT tentou uma CPI, minada, em boa medida, pelo PMDB — que “por acaso” recebeu os ministérios da Justiça (Iris Rezende) e Transportes (Eliseu Padilha). Os três deputados mencionados nos áudios — Chicão Brígido, Osmir Lima e Zila Bezerra — foram absolvidos pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. E a Procuradoria Geral da República (PGR) não acolheu nenhuma representação que pedia o envio de uma denúncia ao Supremo Tribunal Federal.
“A opção da reeleição trouxe um novo parâmetro para quem vota: a demanda da segurança” — Guga Fleury
Se as denúncias não vingaram por via alguma, e não foram capazes de frear a emenda, a eleição também deu conta de negar, ou esquecer, o que fora dito sobre a maneira como a reeleição se estabeleceu. Foi no primeiro turno e foi com folga. Em 1998, Fernando Henrique passeou nas eleições, vencendo mais uma vez Lula e Brizola, que agora estavam compondo a mesma chapa, além de nomes como Enéas e Ciro Gomes. E, assim como havia sido em 1994, foi a vitória da consolidação de um processo de retomada na economia.
“A opção da reeleição trouxe um novo parâmetro para quem vota: a demanda da segurança. Por que trocar se está indo bem? O novo pode ser ainda pior. Essa foi a tônica das campanhas de FHC, Lula e Dilma em suas reeleições. Demonstrar para o eleitor que a mudança, naqueles casos, seria pelo inseguro. Não podemos esquecer do slogan de Lula em 2006: ‘Não troque o certo pelo duvidoso’. Isso é prova cabal da necessidade de se buscar segurança em uma candidatura. A reeleição, para o bem e para o mal, possibilitou isso ao eleitor”, explica Guga Fleury, traçando um paralelo entre as reeleições.

FHC pós reeleição

Reeleito, o intelectual carioca estava no topo do mundo político. Mas há um problema em estar no topo: de lá, só se pode cair. E a queda pode ser conferida nos dados de pesquisas do Datafolha. Depois de reeleito, a rejeição começou a aumentar, e a popularidade, a diminuir. Evidentemente, uma coisa não ocorreu por conta da outra — não há uma relação de causa e consequência — , aliás, muitos consideram a opção pelo câmbio flutuante o grande vilão dessa história. Os gráficos não chegaram a traçar linhas retas da desgraça, mas, quando do início do segundo mandato, as flechas estavam trocadas, o que mostrava que, pela primeira vez, a insatisfação estava maior do que a satisfação. Em fevereiro de 1999, 35% das pessoas que responderam à pesquisa achavam o desempenho do presidente ruim/péssimo, enquanto 21% achavam bom/ótimo. O ápice do descontentamento viria em setembro de 1999, quando a turma do ruim/péssimo alcançou incríveis 56%.
O gráfico manteria o ruim/péssimo maior do que o bom/ótimo por quase todo o mandato — a exceção seria julho de 2002. Talvez não tenha existido a pretensão de um terceiro mandato consecutivo entre os apoiadores de Fernando Henrique, muito menos por parte dele próprio. E, analisando as pesquisas, isso provavelmente não fosse viável. Sendo assim, o conceito-chave das eleições de 1994 e 1998 — a manutenção do projeto —, estava agora muito mais fraco: o que dificultava uma reeleição que não era de pessoa, mas de ideias.
“A reeleição no Brasil transformou a maneira que os políticos enxergavam as campanhas eleitorais. De 1998 pra cá, o índice de reeleições nas campanhas majoritárias é crescente. Isso é uma demonstração clara de que, quando existe um bom projeto de governo, as pessoas querem continuar com o trabalho. A famosa alternância de poder, tão aclamada por parte da imprensa e da população, acaba sendo relegada ao segundo plano quando as instituições vão bem. O segredo da reeleição é fazer um governo produtivo”, define Carlos Manhenelli.
“O Brasil aprovou, de certo modo, a reeleição por entender que quatro anos, às vezes, são insuficientes para construir uma gestão que resolva os problemas da população” — Chico Santa Rita


A eleição e reeleição de Lula

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Em 2002, então, a vontade era de mudança. Mas, por outro lado, a segurança ainda era um parâmetro. Assim, Lula, que perdera em 1989, 1994 e 1998, tinha de entrar nesse vácuo — e conseguiu. A novidade, pois, era o Partido dos Trabalhadores chegando pela a primeira vez à Presidência, mas também foi segurança, pois o candidato representou o estilo “paz e amor”, sem oferecer uma ruptura tão grande quanto havia representado nos pleitos anteriores.
Lula deu sequência a muitas coisas iniciadas no governo anterior, mas também imprimiu sua marca. Teve, em larga medida, uma alta aprovação. E também enfrentou crises sérias. Ao passar pelo primeiro mandato, Lula representou em 2006 a tentativa de manutenção de um projeto político. E, além disso, também colocou à prova a visão do brasileiro com relação à reeleição em si, afinal, FHC tivera um primeiro mandato muito bem avaliado, mas estava deixando o Governo sem isso e sob muita desconfiança, o que poderia arranhar a imagem da ideia de manter um candidato no poder. “Se pararmos para pensar, desde quando foi implementada (reeleição), tivemos três presidentes reeleitos, isso sem falar em governadores e prefeitos das grandes capitais. O Brasil aprovou, de certo modo, a reeleição por entender que quatro anos, às vezes, são insuficientes para construir uma gestão que resolva os problemas da população”, avalia Chico Santa Rita.
Diferentemente de FHC, Lula chegou ao início do segundo mandato ainda com a aprovação alta — o que se manteve até o final. Em 2007, tinha uma aprovação de 48%, segundo o Ibope. E, em dezembro de 2010, uma segunda pesquisa mostrou que o presidente chegava ao último mês do seu mandato com recorde de popularidade: 87%. A aprovação do governo federal, com 80%, também chegava a um número nunca antes registrado na história do país. Por conta de tudo isso, houve o temor de alguns setores da sociedade de que o PT pudesse tentar a viabilização de um terceiro mandato consecutivo.

Um “terceiro mandato”

Essa viabilidade começou a ser costurada em 2000, com um movimento que em nada teve a ver com ele. De autoria do então deputado Inaldo Leitão (PR-PB), a proposição chegou a ser aprovada na CCJ naquele ano. Ela defendia que fosse permitido que presidente da República, prefeitos e governadores concorrerem a infinitas reeleições, desde que se licenciassem do cargo seis meses antes da disputa. Em 2007, a agenda foi, de certa forma, retomada. O presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), mandou desarquivar a PEC. Em meio ao burburinho, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) fez coro contra. Mas foi o próprio Lula quem deu um basta na discussão. Em reunião com líderes do partido, encerrou o que chegou a chamar de insensatez.
Sendo assim, o pleito de 2010 não teria a chance de reeleição para nenhum candidato. E, assim como havia sido com FHC e o PSDB, Lula e o PT teriam de escolher um sucessor. A diferença era que agora o governista da vez estava com a aprovação nas alturas. A dúvida dos especialistas era sobre a transferência de votos, algo muito testado e vivido antes da mudança de 1997. E aconteceu. “Eu participei de uma campanha como marqueteiro antes do período da aprovação da reeleição que é sintomática para entender o motivo da aprovação da emenda. Em 1990, Orestes Quércia terminava seu mandato de governador de São Paulo com mais de 75% de aprovação popular. Como não poderia se reeleger, indicou o secretário de Segurança Pública de sua gestão, Luiz Antônio Fleury Filho. De um desconhecido, ele foi o vencedor daquele pleito por ter a imagem muito ligada ao então governador. Um fenômeno eleitoral que também ocorreu com Dilma em 2010, após a reeleição de Lula, traduzindo assim a transmissão automática de votos — algo raro na política. A reeleição traz a possibilidade de não criarmos postes eleitorais sem identificação com bandeiras ou causas políticas, deixando assim o velho casuísmo político de lado e apostando na real e verdadeira vontade popular”, compara Chico Santa Rita.
Dilma Rousseff, sendo poste ou não, ganhou. A candidata bateu o tucano José Serra, que já havia perdido para Lula em 2002. E foi durante o mandato da primeira presidenta do país que a marolinha de outrora enfim beijou com força a areia de nossas praias tropicais. Apesar dos pesares, a antiga guerrilheira sem experiência em cargos eletivos não só sobreviveu ao primeiro mandato, como chegou com força suficiente para se consolidar como a candidata mais forte para o pleito seguinte. A essa altura, durante a corrida eleitoral, dizia Chico Buarque, em material da campanha, “em 2010, votei em Dilma por causa de Lula. Em 2014, vou votar em Dilma por causa de Dilma”. Era, pela terceira vez desde 1997, não só um candidato se colocando à provação, mas pondo também a própria ideia de reeleição nesse julgamento. E, pela terceira vez, os votos estiveram ao lado de quem governa. A candidata petista venceu, com 51,64% dos votos, a acirradíssima disputa com o Aécio Neves (PSDB), que teve 48,36%.

As eleições pós impeachment

Até chegar esse ano, provavelmente a discussão sobre um terceiro mandato de Dilma nunca fosse levantada, visto os pressupostos que carregam um debate como esse no Brasil. Mas isso é só projeção. Dilma sofreu o impedimento em 2016. Temer assumiu. Ele tentará a reeleição? Ou, ainda, uma eventual candidatura do ex-vice decorativo pode ser chamada assim? Difícil responder.
O fato é que a própria reeleição tem sido amplamente questionada nos últimos anos. Nomes como Marina Silva, Aécio Neves e o próprio Temer já se posicionaram contrários a ela. Na Câmara e no Senado, diversos projetos sobre o tema esperam por uma votação. “Existem diversos caminhos para o fim da reeleição. Diversos pré-candidatos ao pleito eleitoral deste ano já avaliam acabar com a reeleição no Brasil. Esse é um debate amplo que deveria contar com a participação da sociedade através de uma longa discussão na Câmara dos Deputados para depois, com a aprovação, passar por um referendo em que a população decida qual é o melhor caminho para o país”, opina Adriano Soares da Costa.
Apenas neste ano, o mundo já deu algumas demonstrações de como projetos políticos podem assumir um caráter muito mais longo do que estamos acostumados por aqui. Na Rússia, Vladimir Putin foi reeleito presidente — com mais de 56 milhões de votos — e terá seu quarto mandato até 2024, quando completará 25 anos no poder. Na China, Xi Jinping se reelegeu presidente para um segundo mandato de cinco anos — portanto, até 2023. Pouco antes, foi pilar de uma alteração constitucional para não mais limitar as reeleições — antes, só dois mandatos eram possíveis — , o que abre a possibilidade de que ele continue no poder por quanto tempo conseguir. No Brasil, a reeleição parece assunto para ser debatido apenas no próximo mandato. E quem sabe nem nele. Levando em consideração a confusa reforma política, é difícil estabelecer qualquer diagnóstico.
Por Arthur Menezes 

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