domingo, 20 de novembro de 2016

Eleitores de Trump vão descobrir que foram ludibriados

Por Alfredo Valadão

Eleitores de Trump vão descobrir que foram ludibriados
As sondagens não estavam tão erradas. Nos últimos dias, todos os institutos anunciavam um resultado muito apertado. Hillary venceu no voto nacional – por pouco. Só não levou porque Donald Trump ganhou três Estados chaves na velha “cintura da ferrugem” americana, por margens estreitíssimas – correspondendo 0,1% dos votantes. Mas são essas as regras do jogo. O bilionário demagogo é hoje o presidente-eleito da maior potência mundial. Só que não será fácil governar, mesmo com maioria republicana no Congresso.
O país está profundamente dividido. Por um lado, as grandes cidades, sobretudo nas costas Este e Oeste, cada vez mais prósperas, na ponta da modernidade tecnológica, e um modo de vida cosmopolita dinamizado pela mistura de minorias étnicas. Por outro, os “grotões” das regiões centrais, cada vez mais pobres, com suas indústrias em crise, seus pequenos agricultores ultrapassados e suas populações brancas e desesperadas. As primeiras votaram Clinton, as segundas Trump.
Essa fratura, não é de hoje. Os Estados Unidos estão na dianteira de uma nova revolução socioeconômica tão profunda quanto a revolução industrial do começo do século XX. O velho modelo industrial da produção de massa para o consumo de massa, que criou a classe média americana e depois se espalhou pelo mundo inteiro, está cada dia mais enferrujado.
Outra realidade desponta: a produção em rede, conectada, informatizada e automatizada, baseada nos serviços embutidos nos produtos. Uma produção customizada para um consumo customizado. As antigas fábricas e suas tradicionais cadeias de montagem, nacionais ou transnacionais, estão se esvaindo pouco a pouco. Não há volta atrás. Os operários e empregados brancos de meia idade, ou próximos da aposentadoria, não vão recuperar seus empregos e o seu estilo de vida.
Aumentar o poderio econômico dos Estados Unidos
Ninguém sabe direito o que Trump vai fazer. Ele já começou a abrandar as suas promessas eleitorais. Como se tivesse descobrindo que um presidente americano não é tão poderoso assim. A palavra presidencial é um grande trunfo, mas governar significa negociar permanentemente com o Congresso e as múltiplas instituições americanas, que sempre complicam a ação do Executivo.
O espaço de manobra na política externa é maior. Mas Trump, até hoje, só mostrou que não tem a mínima ideia clara sobre esse assunto. Tudo vai depender do time que será nomeado. No campo econômico, a campanha se resumiu em promessas demagógicas difíceis de serem aceitas, inclusive por partes importantes do senadores e representantes republicanos.
Mas é possível perceber uma tonalidade geral. O novo presidente, cuja a única experiência é ser homem de negócios, quer aumentar ainda mais o poderio econômico dos Estados Unidos com ideias simples. A primeira é renovar a infraestrutura do país – que está bem precisando - com pesados investimentos estatais. A vantagem é criar rapidamente postos de trabalho pouco qualificados para a base do seu eleitorado. A segunda, é uma atitude protecionista contra as importações para incentivar as multinacionais americanas a produzirem no país. A terceira é aumentar a taxa de juros e abaixar radicalmente os impostos para as empresas para que elas repatriem os US$ 2,5 trilhões estacionados no exterior e apostem suas fichas na economia americana. Um verdadeiro aspirador de dinheiro que não vai deixar de fazer falta no resto do mundo.
Enterrar o velho modelo industrial
O paradoxo desta estratégia de “Primeiro a América” é que isto vai fortalecer ainda mais a transição para o novo modelo econômico de alta tecnologia. Para ser competitiva, qualquer multinacional industrial que volte para os Estados Unidos vai ter que escolher um modelo de produção altamente automatizado e informatizado, enterrando ainda mais o velho modelo industrial dos sonhos dos eleitores de Trump. Esses vão acabar descobrindo que foram ludibriados pelo magnata. Mas vai ser tarde.
Quanto à Europa e os países emergentes, eles vão ter que amargar uma queda dos investimentos, juros mais altos, e um mercado de consumo americano cada vez mais fechado. Com Donald Trump o jogo econômico global vai ser muito mais pesado.

Alfredo Valladão, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, faz uma crônica de politica internacional às segundas-feiras para a RFI

Nenhum comentário:

Postar um comentário