Por
Alfredo Valadão
As
sondagens não estavam tão erradas. Nos últimos dias, todos os institutos
anunciavam um resultado muito apertado. Hillary venceu no voto nacional – por
pouco. Só não levou porque Donald Trump ganhou três Estados chaves na velha
“cintura da ferrugem” americana, por margens estreitíssimas – correspondendo
0,1% dos votantes. Mas são essas as regras do jogo. O bilionário demagogo é
hoje o presidente-eleito da maior potência mundial. Só que não será fácil
governar, mesmo com maioria republicana no Congresso.
O país está profundamente dividido. Por um lado, as grandes
cidades, sobretudo nas costas Este e Oeste, cada vez mais prósperas, na ponta
da modernidade tecnológica, e um modo de vida cosmopolita dinamizado pela
mistura de minorias étnicas. Por outro, os “grotões” das regiões centrais, cada
vez mais pobres, com suas indústrias em crise, seus pequenos agricultores
ultrapassados e suas populações brancas e desesperadas. As primeiras votaram
Clinton, as segundas Trump.
Essa fratura, não é de hoje. Os Estados Unidos estão na
dianteira de uma nova revolução socioeconômica tão profunda quanto a revolução
industrial do começo do século XX. O velho modelo industrial da produção de
massa para o consumo de massa, que criou a classe média americana e depois se
espalhou pelo mundo inteiro, está cada dia mais enferrujado.
Outra realidade desponta: a produção em rede, conectada,
informatizada e automatizada, baseada nos serviços embutidos nos produtos. Uma
produção customizada para um consumo customizado. As antigas fábricas e suas
tradicionais cadeias de montagem, nacionais ou transnacionais, estão se
esvaindo pouco a pouco. Não há volta atrás. Os operários e empregados brancos
de meia idade, ou próximos da aposentadoria, não vão recuperar seus empregos e
o seu estilo de vida.
Aumentar o poderio econômico dos Estados Unidos
Ninguém sabe direito o que Trump vai fazer. Ele já começou a
abrandar as suas promessas eleitorais. Como se tivesse descobrindo que um
presidente americano não é tão poderoso assim. A palavra presidencial é um
grande trunfo, mas governar significa negociar permanentemente com o Congresso
e as múltiplas instituições americanas, que sempre complicam a ação do
Executivo.
O espaço de manobra na política externa é maior. Mas Trump,
até hoje, só mostrou que não tem a mínima ideia clara sobre esse assunto. Tudo
vai depender do time que será nomeado. No campo econômico, a campanha se
resumiu em promessas demagógicas difíceis de serem aceitas, inclusive por
partes importantes do senadores e representantes republicanos.
Mas é possível perceber uma tonalidade geral. O novo
presidente, cuja a única experiência é ser homem de negócios, quer aumentar
ainda mais o poderio econômico dos Estados Unidos com ideias simples. A
primeira é renovar a infraestrutura do país – que está bem precisando - com
pesados investimentos estatais. A vantagem é criar rapidamente postos de
trabalho pouco qualificados para a base do seu eleitorado. A segunda, é uma
atitude protecionista contra as importações para incentivar as multinacionais
americanas a produzirem no país. A terceira é aumentar a taxa de juros e
abaixar radicalmente os impostos para as empresas para que elas repatriem os
US$ 2,5 trilhões estacionados no exterior e apostem suas fichas na economia
americana. Um verdadeiro aspirador de dinheiro que não vai deixar de fazer
falta no resto do mundo.
Enterrar o velho modelo industrial
O paradoxo desta estratégia de “Primeiro a América” é que
isto vai fortalecer ainda mais a transição para o novo modelo econômico de alta
tecnologia. Para ser competitiva, qualquer multinacional industrial que volte
para os Estados Unidos vai ter que escolher um modelo de produção altamente
automatizado e informatizado, enterrando ainda mais o velho modelo industrial
dos sonhos dos eleitores de Trump. Esses vão acabar descobrindo que foram
ludibriados pelo magnata. Mas vai ser tarde.
Quanto à Europa e
os países
emergentes, eles vão ter que amargar uma queda dos investimentos,
juros mais altos, e um mercado de consumo americano cada vez mais fechado. Com
Donald Trump o jogo econômico global vai ser muito mais pesado.
Alfredo Valladão, professor do Instituto de Estudos
Políticos de Paris, faz uma crônica de politica internacional às
segundas-feiras para a RFI
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