Por
Alfredo Valadão
Bem-vindos
ao novo mundo da política-internet. Correios eletrônicos, redes sociais, blogs
e hackers estão dominando eleições, parlamentos, o trabalho dos Executivos e,
às vezes, até ações judiciárias. A eleição presidencial americana é hoje o
maior campo de provas desse poder da conectividade digital. O anúncio da
abertura de um inquérito pelo FBI de mais outros – e desconhecidos – “e-mails”
de Hillary Clinton é antes de tudo uma bomba midiática.
Clinton, por enquanto, não é acusada de nada. Mas o simples fato
de anunciar a investigação já foi o bastante para criar uma explosão de
comentários e tomada de posições na mídia, e uma enxurrada de sondagens de
opinião, interferindo – e muito – na campanha eleitoral. Mas antes disso, os
serviços de inteligência russos haviam pirateado as contas internet da campanha
de Hillary, provocando uma avalanche de ataques e opiniões contra a candidata
democrata.
Modernidade digital perigosa! A vulnerabilidade de Clinton
vem da maneira como ela administrou os correios eletrônicos quando era
Secretária de Estado. Donald Trump conquistou o partido republicano graças ao
manejo intempestivo e permanente de factoides no Twitter e mentiras deslavadas
que a imprensa e as redes sociais se achavam na obrigação de cobrir em
manchete. Uma propaganda gratuita e permanente para o empresário populista que
acabou também sendo vítima das redes quando se espalhou como um vírus uma velha
conversa onde ele aparecia como um campeão do assédio sexual às mulheres.
Mas não é só nos Estados Unidos. As grandes mobilizações
populares durante o impeachment de Dilma saíram diretamente das redes e não dos
partidos políticos. Na Europa, o voto surpresa para tirar a Grã-Bretanha da
União Europeia veio da utilização massiva das redes pelos partidários do “sim”.
Todos os novos movimentos políticos “antissistema”, o Podemos na Espanha, o
Cinco Estrelas na Itália ou os novos partidos da extrema direita xenófoba são
filhos diretos das redes sociais.
Até o veto do Parlamento da Valônia ao tratado de
livre-comércio Europa-Canada não poderia ter acontecido dessa maneira sem a
circulação imediata dos argumentos e da mobilização de militantes graças às
tecnologias da comunicação. Hoje, não há político que não tenha medo das redes
e da capacidade de diversos grupos de pressão – atuais ou futuros – de
manipular e desencadear enormes campanhas midiáticas.
Claro, essas explosões virais não duram muito e são
deslocadas por outras, num sem fim de revelações ou ataques que ninguém mais
sabe se são verdadeiros ou simples desinformação, mas que deixam os governantes
e a opinião pública desnorteados e angustiados.
A mídia tradicional também é responsável por essa tirania da
informação “online”. Morrendo de medo de ficar para trás, jornais, rádios,
televisões – e até livros – correm atrás do mínimo boato lançado nas redes. E
sem tempo para verificar – nem as fontes nem os conteúdos – vão logo
publicando, comentando, tirando conclusões e alimentando boatarias que podem
destruir instituições, governos e indivíduos que não têm a mínima possibilidade
de se explicar ou se opor ao tsunami avassalador do YouTube, Twitter, Facebook
e outros.
Redes sociais são instrumento extraordinário
As redes sociais são sem dúvida um instrumento extraordinário
para apoderar o simples cidadão e promover maior participação e democracia. Só
que hoje, governos, serviços de inteligência, relações públicas de grandes
companhias, grupos terroristas, hackers profissionais – em suma, uma cambada de
gente não necessariamente “do bem” – utilizam todos os macetes das novas
tecnologias para manipular e desinformar os cidadãos.
A eleição americana mostra que nem a maior potência do
planeta escapa desse mundo eletrônico sem fé nem lei. Um mundo onde a rede
digital pode ser utilizada até para paralisar um país inteiro ou provocar uma
guerra, cibernética – ou bem mais concreta. Hoje, ninguém sabe qual será o
modelo político apropriado para essa nova era. O desafio é inventar formas
modernas de representação e decisão políticas capazes de evitar a ditadura sem
limites – e sem sentido – da informação “digital”. Ainda estamos longe disso...
Alfredo Valladão, professor do Instituto de
Estudos Políticos de Paris, faz uma crônica de politica internacional às
segundas-feiras para a RFI
Nenhum comentário:
Postar um comentário